A Federação do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) solicitou ontem, por
meio de ofício encaminhado ao ministro Guilherme Afif Domingos, da Secretaria
da Micro e Pequena Empresa, a criação de uma versão simplificada do eSocial –
sistema que vai unificar o envio de informações trabalhistas, previdenciárias e
tributárias –, adequada à realidade das micro e pequenas empresas. Na avaliação
da entidade, o segmento terá dificuldades para se adaptar à complexidade do
sistema, sobretudo pela quantidade de dados exigidos e obrigatoriedade de
imediato envio de informações trabalhistas.
Ainda é incerto o início de operação do
eSocial. A previsão da Receita Federal era abril. Mas pouco depois, a Caixa
Econômica Federal fixou o mês de julho para as empresas tributadas pelo lucro
real. Outra dúvida está relacionada ao mês de competência a partir do qual os
dados exigidos devem estar em conformidade com as novas regras. Apesar das
muitas incertezas que cercam o módulo mais ambicioso do Sistema Público de
Escrituração Digital (Sped), recomenda-se que as empresas se preparem o quanto
antes para evitar problemas, o que inclui autuação e pagamento de multas. De
acordo com especialistas, uma das certezas a respeito do projeto é que a
adaptação das empresas vai exigir investimentos em capacitação profissional e
software.
“Estamos vivendo um imbróglio jurídico. No
momento, o ideal é melhorar os processos de controle das informações que vão
estar no eSocial”, recomenda o diretor da Decision IT e membro do grupo de
trabalho do Sped com empresas piloto, Mauro Negruni. Atualmente, 40 empresas de
todo o Brasil usam o sistema de forma experimental. Sobre a confusão jurídica,
Mauro Negruni se refere às normas editadas pela Receita Federal e Caixa
Econômica Federal que trazem prazos distintos sobre o início de operação do
projeto. A primeira estabelecia que eventos como demissão e admissão de
empregados ocorridos a partir de janeiro deste ano deverão entrar no sistema.
No final do ano passado, entretanto, Caixa editou a Circular 642, marcando para
o mês de julho as novas regras e ainda restringe a obrigação para as empresas
do lucro real.
Diante das incongruências dos órgãos
envolvidos no projeto, há quem diga que o mais prudente é promover uma revisão
dos processos internos das empresas com checagem de dados gerados a partir de
janeiro. Ou seja, fazer um diagnóstico voltado para o projeto para detectar
onde estão as falhas, como fazer para solucioná-las e verificar onde será
preciso investir. Como se vê, há muito trabalho pela frente. É gigantesca a
quantidade de dados e detalhes exigidos sobre os trabalhadores, como atestados
médicos, de saúde ocupacional e até controles sobre itens de proteção usados
pelos colaboradores. A partir do eSocial, os prazos deverão ser seguidos a
risca. É o caso do pagamento das férias, por exemplo. Legalmente, precisa ser
feito com dois dias de antecedência da data de saída do funcionário. Mas é
comum as empresas ignorarem a regra, efetuando o depósito junto com o pagamento
do salário. Com a necessidade de fazer o comunicado eletronicamente e a
comunicação tem de estar conectada à operação de fato, quem não seguir a norma
legal estará sujeito à multa.
“A empresa pode ter o melhor software do
mercado. Sem uma modificação da cultura permissiva em que prazos e datas não
são respeitados nada adiantará”, alerta Negruni. Só para dar uma ideia, o
layout provisório do eSocial possui mais de 40 tipos de arquivos XML e nada
menos do que 2,5 mil linhas de registro. Tudo para acomodar informações
detalhadas sobre os empregados que até então não eram solicitadas com tantos
detalhes pelo poder público. Com o sistema, a expectativa é que sejam extintas
dez obrigações acessórias no futuro.
Para o professor e palestrante Roberto Dias
Duarte, há um limbo normativo com relação ao projeto. “Hoje, o eSocial tem um
manual incompleto, é um sistema que ainda não foi testado, com um cronograma
definido por meio de uma Circular da Caixa Econômica, cuja competência é
restrita ao FGTS”, afirma. Na opinião do especialista, a implantação da Nota
Fiscal Eletrônica (NF-e), que também faz parte do Sped, ao contrário, foi muito
bem planejada e preparada. “Quando a NF-e se tornou obrigatória mesmo, o
sistema já estava testado e documentado. O cronograma de
"massificação" se estendeu até 2012. Somente sete anos após a
instituição da NF-e no Brasil é que tivemos todo o setor industrial e
atacadista, que inclui cerca de 1 milhão de empresas, emitindo esse documento
eletrônico obrigatoriamente”, lembra. Quanto ao sistema que vai unificar as
informações trabalhistas, haverá um ano de prazo para teste de um programa que
será usado por 7,2 milhões de empregadores na condição de pessoa física e 6 milhões
de empresas.
A tributarista Cintia Ladoani
Bertolo, do escritório Bergamini Collucci, chama a atenção para o uso de
sistemas diferentes nos vários departamentos das empresas, o que é muito comum.
Será preciso adequá-los para evitar problemas no cruzamento das informações
que, com o eSocial, será aperfeiçoado pelo fisco. Ela explica, por exemplo, que
muitas empresas usam um sistema híbrido para fazer o recolhimento da
contribuição previdenciária baseado na folha de pagamento e na receita bruta. O
problema é quando as áreas de recursos humanos e financeira utilizam sistemas
que não conversam entre si, o que pode gerar informações divergentes. Com o
eSocial, a informação será transmitida junto com a folha de pagamento. Em
outras palavras, o envio de dados divergentes acenderá a luz amarela do fisco e
a empresa corre o risco de ser autuada.
Há duas semanas, o link disponível na página
virtual de todos os órgãos envolvidos com o projeto – Receita Federal,
Ministério da Previdência Social, Ministério do Trabalho e Caixa Econômica
Federal – para que empregadores corrijam problemas cadastrais dos trabalhadores
saiu do ar, sem previsão de volta. Esse é o primeiro passo para o funcionamento
efetivo do sistema. Procurada pela reportagem para comentar a indisponibilidade
do link, a Receita Federal não se pronunciou.
Fonte: Diário do Comércio – SP